quinta-feira, outubro 25, 2007

Primeiro objeto



O primeiro objeto pode ser a mão
recipiente para colher a água
e beber
concha para pegar o grão
e comer
garra para acolher a mulher
e amar

O primeiro objeto pode ser o dente
ponta pronta para triturar
para morder
para dar de comer
ao filhote.

O primeiro objeto pode ser o pé

sentir o chão e por-se de pé
ver a bola e chutar
conhecer a estrada e caminhar
cair na água e nadar

incomodar-se com o pau da barraca
e mandar o mundo a outro lugar.

O primeiro objeto pode ser o nariz
de cheirar fragâncias
o primeiro objeto pode ser a boca
de oscular opulências
o primeiro objeto pode ser a língua
de lamber molemolências
o primeiro objeto pode ser a cabeça
de pensar e carregar abundâncias
o primeiro objeto pode ser o dedo
de apontar reticências
o primeiro objeto pode ser o pênis
de penetrar reentrâncias.

Entre nós e o mundo
coisas
artefatos
objetos
técnica
tecnologia
ciência
cultura
outro corpo.
Corpo-objeto
corpo-artefato.


Definições e perdas



Definições incluem perdas
assumem ausências
carências, ardências na pele,
querências.

Ao me definir me perco
ao me escolher, desapareço
ao aparecer, virtualizo-me
virtualizando-me, fluidifico.

Minha identidade
minha imagem
fotografia antiga em papel amarelo
ou retrato vivo na tela do computador.
Velhos se renovam.


Substantivos e outros substantivos


Você vai ao museu do relógio
para ver as horas?
Você vai ao museu da língua
para ver as falas?
Você vai à biblioteca
para ver o conhecimento?
Você vai ao templo
para ver deus?
Você vai à casa substantiva concreta
para ver substantivos abstratos?

Horas
falas
conhecimento
deus
abstratos
substratos do concreto edifício.

sábado, outubro 06, 2007

IMPONDERABILIDADES DE UM VERBO SÓ



Visto um terno
dou nó na gravata de seda
desço para a cozinha
faço arroz com feijão
como pão com manteiga e mortadela.
Miro a foto da morena
da serra morena
(será minha) e digo:
- eu dou nó na gravata
e como pão -
Simples assim
concreto assim
palpável assim.

Eu como pão com manteiga e mortadela
e arroz com feijão.
Depois faço do tirar a veste
um ritual pornofônico:
grito quando gozo.

Meus noventa quilos
pesam-me mais que o normal
não consigo emagrecer:
arroz com feijão,
pão com manteiga e mortadela
(de vez em quando acrescento
queijos, vinhos e picanhas na chapa)
o impedem.

Tento fazer poesia
escrevo imponderabilidades
de um verbo só.