terça-feira, novembro 28, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 27

Amar não é verbo:
amar é presença de luz
que alumia os arrabaldes,
espantando trevas mal afirmadas.
A vida nunca é onde:
sempre é quando. Agora.
Para a saudade duvidosa
a ternura intacta.
Para ideias fixas,
muitas ideias desparafusadas.
O pão nosso é que faz o cada dia:
o sol, e até mesmo o céu,
são abertos ao público.
Basta reviver a magia,
a cada hora, de romper a alegria.
Para qual homem, tal tarefa.
Sou pessoa de muitas estimas
e não tenho a imprudência da certeza.

Sou apenas alguém sob o arvoredo.

sexta-feira, novembro 24, 2017

CURTA 277

Eu tenho vários passados
nenhum deles me assombra
nenhum deles é minha sombra.
Minha luz vem com o amanhecer
carrego-me dela como célula solar
para brilhar ao anoitecer.

quarta-feira, novembro 22, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 26


Coragem renasce na prática
Quando se cansa do medo
Quando o futuro parece escuro
E estranho para memórias.
Pedras do caminho rolam por justiça
Rios se entregam à paisagem
Cortando veredas entre montanhas.
Águas se deitam sobre terra
Feito mulheres vestidas de noiva:
Assim se revelam em fotografias.
Meu sacolejado sorriso
Se dissimula facilmente
Em bem-aventurado bocejo
Nos amanheceres mal dormidos.

Gostaria de escrever palavras soltas
Mas, poetas, maioria das vezes,
São trapaceiros dos vernáculos.
Encontram palavras amarradas
Nas narrativas alheias
E as subvertem, irresponsavelmente,
Construindo outros dizeres.

Tudo tem preço bem caro
Quando frases se voltam
Contra o contador falseante.
Seu mundo, do lado de cá,
Se corrompe em insolências.
E o outro lado do portal do tempo
Se esclarece em reminiscências.

E o autor da obra, onde está?

sábado, novembro 11, 2017

OBJETOS 54

Objetos para sobrevivência mundana:
telefone para comunicação online
mesmo quando a luz se apaga;
bloco de notas para relatório 
quando a ilusão se acaba;
tambores frenéticos à noite
tocam para uma lua vaga.

sábado, setembro 30, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 25


A chuva veio, enfim,
apaziguar carência de terra
depois de muita reza
em cem dias de sequidão.
Reza rezada com descrença?
Dança da chuva embolada na poeira?
Sei não! Mas desconfio dos deuses.

Nesse entremeio, ficou o receio,
no interno da coragem,
nas reticências do corpo,
no calo do coração,
de escutar e contar
coisas divagadas, devagar.

Faca se afia no rela-rala
com outra faca.
Pedras rolam e também se ralam
e se arredondam no raso do rio,
tão raso, na seca das águas.

Mas a chuva veio
no tempo que desmente
minha antiga mocidade.
E me mata de saudade
de minha mulher neblina
que me anuvia os olhares
olhando o distanciado ocaso,
onde o pensamento é mais forte
que o coração do lugar.

quinta-feira, setembro 28, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 24


Ela está a frigir bolinhos,
Ele os come entre infinilhões de sorrisos.
Parecem girar, em eixos próprios,
Atados em cordões imaginários
Colocados em órbita na roda da vida,
Com corações em queda de cachoeira.

O medo, no entanto, se gasta
Nas garras do incompreensível
Nas alertantes cheias do rio.
E o coração discorda
A cada sete batidas
Taquicardiando nas fatalidades
De todas as incertitudes.

Todavia, as cordas se reatam
Entre cheia e vazante do rio.
No barulho do frigir dos bolinhos
Corações se amornam e se aquietam
Cachoeiras se apaziguam ao anoitecer
Corpos se amolecem no luzidio do quarto
Relaxam no pertencimento do outro.

sexta-feira, setembro 22, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 23


Três vezes em minha vida
Passou por perto a felicidade,
Sempre nas horas de descuido.
Sou feliz depois da tempestade?
Alegria vem quando de mim cuido,
Horas que ao coração dou guarida.

O rio, de muito, carrega luares
Iluminando coisas no cabimento.
Navegável a barquinhos, nos lugares,
Conduzindo seres em pensamento,
Levando, em suas águas, sabores
De todos os beijos de meus amores.

Coisas me espantam na véspera
No antes da oratória do mensageiro
Que boas notícias me traz do passado!
No rio, o luar é passageiro,
Noitinha vem no ajuizado
Manhazinha chega, e eu na espera
De quarto possível alumbramento
Explodindo em mim, num raso momento.

quinta-feira, setembro 14, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 22



Canoas cabotando em desordens
Despropósitos de navegações
Canoeiros em roupagem de pompas.
Chuvas de águas passadas
Desaguam em rios em trombas
Provocam atrocidades descabidas
No horizonte das cheias desalinhadas

Só me convenço quando me calo
Se não o sei, aí que falo
Sem a mordaça dos conhecimentos
Na morte do inimigo nem me alegro,
Nem levanto meu chapéu negro.

Canoas carregam humanos e outros
De todas as esperanças amanhecidas
De todas as rupturas esclarecidas
De todas as crenças compadecidas.

Promove remador a Almirante
Desde que reme num rompante
De precisão e raiva emudecida
E leve sua coragem engrandecida.

Mas rio não dá paz a canoeiro
O lava e o leva, num nevoeiro,
A triste final, o derradeiro.

domingo, setembro 10, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 21


Todos deveriam contar sua história
pois modo de contar
depende do, único, olhar.

O olhar dela, madura,
tinha ou alegria divina
ou tristeza soturna
esmaecendo a quase belezura,
quase flor em luz noturna.

Olhar que não cala a ternura.
Essa, em monossílabos recomeça,
no tempo que finge que passa
trazendo saudade sem moldura,
apenas saudade, sem usura.

Porque o hoje se realiza,
no tempo que finge que passa?
Só o hoje a individualiza
para o amanhã que se argamassa.

Aí se reconta sua história
quando Amor surge a cavalo,
reorganiza sua íntima memória
faz de sua vida um regalo
e o tempo ainda finge que passa.

quinta-feira, setembro 07, 2017

URDUME


Clara tecia, todo dia,
a trama que lhe cabia. 
Ligava fios, cores, 
desenhos do tecido acabado, 
e o urdume se fazia
e se refazia 
a cada movimento no tear. 
O que Clara não sabia, 
mas intuitivamente percebia, 
era que ali também se traçava 
o urdume de seu dia a dia.

terça-feira, setembro 05, 2017

RELEITURAS ROSEANAS 20


Não me pergunte
que eu lhe respondo;
não me olhe 
que eu lhe miro;
não me fale 
que eu lhe escuto -
desfalo em respostas.
Aconchegue-se que eu lhe asssunto.
Defino sem declarar,
cismo em indefinições.

Palavras maiores que declarações:
cuidado com suas palavras,
elas contam mais que apresentam.
O dito não volta desdito,
o escrito se decodifica
em citações preambulares.
Forças aleatórias
a serviço do sensível.

Não me olhe
que eu lhe escuto;
não me responde 
que eu lhe pergunto;
não me assunte
que eu lhe defino.
Defino sem declarar,
a serviço do sensível.

sábado, agosto 05, 2017

NOTAS DE LEITURA EM REVISTA DE BORDO 25


1. Transformação se tornou uma espécie de mote para o futuro. Palavra em moda. Mas é bom saber que transformação significa adeus ao ponto de partida. Sem retorno. Transformar-se é tornar-se outra coisa, outra pessoa, viver em outro mundo, com outras possibilidades. Outras escolhas. Viver é isso: transformar-se continuamente, já que o passado não volta.

2. Outra palavra da moda é empoderar-se. A aprendi uns vinte anos atrás, ainda em inglês (empowerment) e a usei em um trabalho de tese. Empoderar-se significa assumir o poder sobre si mesmo, sobre sua própria vida. Empoderar-se para se transformar. Melhor ainda. Empoderar-se é se transformar.

3. O Brasil é vice-campeão mundial em implantes dentários e caminha para a liderança. A campanha publicitária do fabricante consiste em “trazer de volta o sorriso para quem precisa”. Oba! Basta trocar os dentes para ser feliz! Ou, se você é feliz e gosta de sorrir, sorria mais bonito!

4. Diversidade: mais uma palavra da atualidade. Somos diversos, somos únicos, muitos querem ser igual (a qualquer coisa outra – impossível). Assumir sua identidade diversa é empoderar-se. Para transforma-se. Ufa!

5. Identidade, por favor. Não basta olhar na minha cara para saber quem eu sou. Preciso apresentar um cartão plastificado com um número e um retrato. Então o cara olha minha cara e compara com a cara da carteira de identidade. E verifica se o nome do cartão é o mesmo escrito no bilhete apresentado. Sim, sou eu. Agora tenho certeza de que estou no lugar certo.

6. A Mãe Terra acredita que, para fazer diferente, é preciso paixão. Está escrito no pacote de biscoitos. Frases motivacionais por todo lado.

7. Trilhas com pedaladas organizadas já são realidade no Brasil.

8. Aproveitar a viagem é comer bem em muitos lugares diferentes. Um bom sabor a gente não esquece!

9. Meu cachorro deve estar com problema de identidade. Batizado de Tardeli e de Zeluiz, simultaneamente, acabou sendo Zeluiz Tardeli. Nome e sobrenome. Hoje, posa para livros como Zorro, o cachorro.

10. Por falar em sabor, essa semana fiz um prato sempre igual, de forma diferente. A geladeira oferecia poucas iguarias, coxa e contra-coxa de frango, uma berinjela. E arroz. O frango foi temperado com ervas, por Ella, assado ao forno, com tiras de berinjela jogadas em cima. E o arroz? Usei manteiga de garrafa, cebolas, temperei com açafrão, pimenta do reino negra, manjericão e palmito. Diferente, colorido e delicioso.

11. “Quando o mar fica tenebroso e ninguém quer ir à praia é hora de surfar confortavelmente” – Rico de Souza, mestre surfista de sessenta e cinco anos.

12. Buscar e mostrar a verdade é uma metáfora da improbabilidade do jornalismo brasileiro. Verdade de quem, cara pálida?

13. A verdade, se existe, está nas ruas. E as ruas estão vazias! Onde estamos? Para onde vamos? Qual o caminho?

terça-feira, junho 13, 2017

CURTA 276


Entre todos meus anelos
o mais ardente,
momentaneamente,
seria a tesoura cortante
de maus pensamentos permanentes
que me assombram veladamente.

quinta-feira, maio 25, 2017

NOTAS DE LEITURA EM REVISTA DE BORDO 24


01. "Notas de leitura em revistas de bordo" está de volta depois de alguns anos. Não são releituras, são novas leituras. Sempre tem algo divertido e curioso para relatar. O que as pessoas leem no ar? Quem quiser ler as anteriores navegue nesse blog.
02. Que a vida é feita de escolhas, todos sabem. Mas todos podemos escolher as aventuras em motos, carros e lugares bonitos e caros, em boa companhia? Quero a receita, por favor!
03. Ser bem sucedido é ter riqueza financeira ou riqueza intelectual? Não é reflexão, é cópia mesmo de uma publicidade em revista de bordo. Qual sua resposta?
04. As vacas urbanas viajantes estão de volta. Agora em São Paulo. Vacas na cidade são arte. Na roça é mamífero leiteiro e futuro bife.
05. Hoje tem estreia de filme com Nelson Xavier (Comeback), que faleceu antes desta volta. Artistas também morrem, como meu amigo Chico (Francisco Magalhães), baita artista plástico de Beozonte, falecido precocemente.
06. Pode haver conforto no caos urbano mesmo sabendo que a natureza é mais forte que a arquitetura, diz Kengo Kuma.
07. Na terra do sertanejo tem Bananada. Ainda bem, mano Zé.
08. Laertem-se moçada. Agora tem trans no vôlei feminino do Brasil e do Mundo. Homofóbicos de plantão, roam as unhas com essa. A vida também se transfigura, moçada.
09. Sempre que me deparo com fotos sobre esse lugar amazonense, reafirmo: ainda viajo pelo Rio Negro.
10. Muito bom saber que já estive neste lugar onde foi tirada uma bela foto da revista. E as minhas fotos ficaram tão boas quanto essa. No caso, Perito Moreno, em El Calafate, na Patagônia Argentina.

11. Inhotim é ali, um beicim de pertim. Onde caminho devagarim, cheirano capim e ispiano os bichim. E ainda tem uns quadrim bunitim. E voo quinem passarim. Trem bão assim só tomano um cachacim nos copim lagoim. (Nota do tradutor - beicim é medida de mineiro para distâncias curtas, ou seja, poucas léguas adiante).

quarta-feira, maio 03, 2017

“A JUBA É MINHA, PENTEIO SE QUISER!”


Penteies não.
Deixa que o vento despenteia,
desorganiza e reorganiza a bons ventos.
Deixa que o balanço do seu caminhar permita
o rebolado natural de seus cachos.
Colora-os da cor que teus sonhos imaginarem.
Imagina que eles sejam as cobras da medusa,
que tenham vida própria
e sonhem em voar como pássaros noturnos.
Cobras nem tem asas, teus cabelos tem.
E voam quando querem se deslocar pelos ares da alegria,
pelos corredores da felicidade,
pelas nascentes do quilombo,
sob as mangueiras e os jatobás.
E se eles insistirem em se alinhar com as vontades alheias,
despenteia-los com as mãos,
até que te desobedeçam no desalinho.

terça-feira, março 14, 2017

NASCENTES 02



Águas das veredas urbanas
Afogam-nos em subterrâneos
Sejam Onça ou Arrudas:
Animal ou planta muda
De espantar gente mundana
E maus espíritos contemporâneos.

“Deixe o Onça beber água limpa”,
Plante Arruda na rua e na calçada.
Água suja ou água limpa
Saem bem na foto ou na fita,
Indistinguíveis pelo som da cascata,
Diferentes na clareza da vida.

Em caso de desorientação
Procure a estação
Seja inverno ou verão.
Para São Gabriel ou bifurcação
O amor é infalível se bem amarrado,
Aposte e espere o resultado.
Quizomba ou água benta
Yemanjá sempre nos alimenta.

Água de tubulação
Corre solta na estrada
Escorre pelo ralo da calçada
Alivia o poço da construção
Deixa o fluxo da circulação
Registra o som da observação.

Nesta lagoa eu não nado
Sapo não molha o pé,
Não molha o pé porque não quer?
Mas o vento que lá lamenta
Sob um sol que arrebenta
Gira a coroa da escultura
Levanta o escritor da sepultura.

Onde tem nascente
Se aproxima toda gente.
“Cinema é cachoeira”
Mas eu não filmo cachoeira
Filmo metáforas e vento quente.
Meus elefantes carrego nas costas
Na sala só minhas marmotas.

Mas a chuva, temos que falar da chuva
Ela precisa cair neste sertão
Pois conecta sagrado e profano
Mesmo que depois entre pelo cano.
Yemanjá, mãe de santo, preto velho,
Meus ancestrais caboclos e caiporas,
Deuses de todos os matizes
Jorrem a chuva neste chão agora
Deixem todos seus filhos felizes.

E a água, minha gente,
Faz sua trilha como serpente
Até o mar desde a nascente
Carrega o sujo da cidade
Lava a alma da maldade
Sobe morro por capilaridade.
Feche, moço, essa torneira,
Mate sua sede costumeira
Deixe a água seguir corredeira.



quinta-feira, fevereiro 16, 2017

CURA DE CORAÇÃO PARTIDO


Para um coração partido
Parece que tem pouco jeito
Recoloque-o dentro do peito
Esqueça o tempo sofrido.

Amarre todas as pontas
Com uma fita de plástico
Senão, serve um elástico,
Ou uma corda de contas.

Quando ele se acomodar
Abra logo um sorriso
Ponha a mente no siso
Dê um tempo a sonhar.

Logo verás outro coração
Caminhando sorridente
Falando tão docemente
Que reacenderá a paixão.

Recomponha-te, meu amigo,
Cura do coração partido
É outro coração bandido
Pronto para seguir contigo.