terça-feira, julho 28, 2020

RELEITURA ROSEANA 40


O tempo de antes é o mesmo tempo de agora.
Tudo é agora. No tempo de minha existência.
Porque eu existo, aqui e agora.
O tempo só está nas histórias que conto
Quando, aos poucos, o escuro se torna claro
E o desconhecido define nossa busca e nossa existência.
Não há clareza naquilo que é tangível,
Onde não encontramos respostas,
Apenas novas perguntas.
Se não tivesse esse medo de errar
Possivelmente eu estaria a salvo.
Se pensasse menos e agisse mais
Eu teria escapulido.
E não teria o cansaço
Que faz tristeza em quem dela carece.
Um só é um quando sabe
De seu lugar no meio de todos.
Quando sua própria pessoa
Toma para si um valor enorme.
Quando se percebe que as perdas
São apenas experiências de uma existência
Atemporal, não linear, ao acaso.
Quando a gente começa a se sentir confortável
Em meio a todo aquele desconforto
Que faz seu coração crescer de lado,
Com todos os amores misturados
E nele tudo, de repente, cabe.
A vida acontece enquanto a gente se conhece.


RELEITURA ROSEANA 39


“O sertão é isso: tudo incerto, tudo certo”.
Meu amigo cantava coisas
E sombras plantadas em meu coração,
Dessombravam.
Amizade não é ajuste de dar e receber:
É jogar conversa fora
Em noites inchadas pelo luar
Pelo simples prazer de estar junto.
E, na beira do fogão,
Fazer uma comidinha guisada:
Um frango com quiabo e angu,
Ou farofa de ovo e verdura
Com um gole de cachaça
Antecipando os prazeres da conversa.

É quando as ideias escorrem até o peito
Pegajosas como mel de jataí.
De repente, a gente toma um gole de pensamento
E sai logo tramando proposições
Com feições de palavra pensada,
Grudenta, dada ou guardada,
Abrindo caminhos, rompendo trilhas.

Com o sol da manhã anunciando o dia
A gente vai logo tropeçando nas vontades
E parte para a luta, na rinha,
Planejada, ou surpreendida,
No rastro da palavra apreendida.

RELEITURA ROSEANA 38


Caminhava carregando meus escuros
Falando sem sobejo de esforços
E contava meus causos inventados,
Minhas artes que eu amo tanto:
Tudo são histórias de hoje e sempre.
Porque comigo não tem ontem e amanhã.
A gente vive é assim mesmo:
No desiludido e no desmisturado.

E foi ali naquela beira de rio
Bem no caminho do meio da correnteza
Que sobrevivi àqueles olhos.
E a doçura daquele olhar
Me fez ver as cores do mundo.
Minha sombra, que me acompanha,
Queria aquela novidade quieta
Para espantar meus tormentos
Para esconder meus desassossegos.
A luz dos olhos que ilumina veredas
Desamarrou desavenças encolhidas
Estancou e costurou feridas encalhadas.
A transformação desferida no encontro
É chama que assopra a vaidade
É amor que brota e cresce, de verdade.

RELEITURA ROSEANA 37


Lá onde o vento se sabe sozinho
Na cama daqueles pequenos desertos
Antecipo minha miúda palavra
Ciúme é mais custoso que amor:
deixa coração nos escuros, decerto.

Do ruim de dentro da gente
A gente quer são distâncias
Mas é o que a gente mais se alembra.
Do bom, se guardam as arrogâncias.

Ideias construídas fornecem paz
Saudades boas não nos envelhecem
E Nova Lima, onde cresci bem audaz
É um nome sagrado, bem antigo,
Onde pessoas sonham em lilás.

Viver é um descuido perseguido
De caminhos que não se acabam
Embaraçando passos, com realeza.
Tirar o instantâneo das coisas
É aproximar ao real da natureza.
O sertão é do tamanho de tudo.


RELEITURA ROSEANA 36

Posso prosear de ruim,
para mais de mim me valer:
são minhas escasseadas maluquices.
Sou apenas mais um maluco-beleza.
Meus feios passados se exalaram
Não foram mais que más-artes
Daqueles tempos de aprumação.
Hoje, se for para ter ódio,
Que seja ódio sossegado.
Não padeço nem de tristeza
Nem de desassossego de peão.

“Sertão: onde pensamento da gente
É mais forte que o poder do lugar”.
Nessas belezas sem mágoa
Pássaros calculam giro da lua.
Quando sonho, não mais sonho com mar.
Sonho comigo nesta rua.
Por esses longes eu caminhei
Com gente querida a meu lado
A gente se conhecendo bem
Se aprendendo com cuidado.

No suceder de toda duvidação
Verso em redondos e quadrados
Perto d’água eu sou mais feliz
Vivo meus sonhos em dobrado.
Eu e minha lua recolhida
Escutamos pássaros noturnos
Até que o dia me acolha, soturno,
E o sertão me dê guarida.