quarta-feira, outubro 14, 2009

Memória e esquecimento: Os olhares



Recuso-me a esquecer. Depois dos 50 anos, memória e esquecimento travam uma luta ferrenha. Cada um querendo a primazia da ocupação dos espaços. Já que o esquecimento ganha quase sempre, quero pelo menos discernir sobre o que esquecer e o que lembrar. Então, prefiro esquecer datas de aniversários, hora de fazer pequenas e desimportantes coisas, local onde o carro está estacionado, onde ficou a chave, os óculos, a mochila, o tênis para a caminhada, o chapéu, quem mandou bater o portão sem se certificar que a chave da casa está no bolso? Como entramos em casa agora? A procura pode ser divertida se guardamos o bom humor, e depois é só chamar o chaveiro, mesmo as duas da manhã a gente encontra um aberto. Depois dos 50, que razões para perder o humor? 
Tanta coisa para esquecer, menos do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. Que olhar. São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Olhares da mulher amada. Não dá para esquecer.





sexta-feira, setembro 04, 2009

ÍCONES





Imaginação e fantasia
ÍCONES
Woodstock quarenta anos
Índigo blues
Verso e reverso
Pressão no marketing
Na história dos tempos
Transformados em imaginários
Coletivos rebelados e debelados
A intenção para no meio do caminho:
quem cria e quem recria
dizem a mesma coisa?


Poesia não é código, palavra sim.
Poesia reutiliza, polemiza,
Anarquiza o código
Coloca o homem na frente do tempo
Tempo seguindo atrás do tempo
Nunca se distanciando de si próprio
Em demasia.


Tempo, distância segura
Entre transgressão e apropriação
Na inovação tecnológica e cultural.


A história tem sempre razão
Ou joga com o imaginário do tempo moderno
A partir do imaginário do tempo antigo.
Os homens jogam dados com o universo
E a natureza agradece.



BOCEJO DOMÉSTICO





Entrei nas roupas
depois do bocejo doméstico
na manhã invernal.


Não tenho medo do futuro,
penso que ele me suportará
pois não tenho a convicção dos idiotas,
tenho a dúvida!


A dúvida que me faz qualquer,
pensador das utopias
prosador das ficções
leves e lúdicas.

A dúvida me faz universal
na pequena aldeia onde moro
pequena aldeia de cidade grande
quatrocentos metros quadrados
de quase virtualidade do mundo
grande aldeia de calangos!


Vestido para grandes dias
deixo a aldeia para viagem.
Claro, de ida e de volta:
nenhum pedágio não pago
impedirá meu retorno
a meu castelo de cores grenás
em minha aldeia quase-virtual
incrustada em paradoxos urbanos:
Seguranças inseguras
Solidão acompanhada
Vácuos em meios materiais
Argumentos desalinhavados.


Como minha morena está bonita
Em seu novo corte de cabelo!
Durante meu bocejo doméstico
na manhã invernal
contemplando pássaros da aldeia
quase-virtual
vivo aquele momento da transformação
da ficção em virtualidade quase-real
momento justo da curvatura da vara
curva da vida
instantes memoráveis de quase-qualquer que sou.


segunda-feira, agosto 31, 2009

ARTE NO COTIDIANO



É cotidiano?

Faz parte da vida?

É arte.


Ou pode vir a ser arte,


já que a arte imita a vida


e a vida faz plágio da arte.



segunda-feira, abril 20, 2009

RELEITURAS ROSEANAS 08



Ausente, acontecia
de olhar estrelas cintilantes.
Obreiro, acendia
fogueiras no aconchego da noite.
Brilhos de estrelas caíam
lumiares de fogueiras subiam
o anoitecido virava um brilho só
nas artes do moço das fogueiras.
Nem dia de São João era
nem tanto quanto inverno!
Noite comum de outras tantas
céu de estrelas nem lua cheia tinha.

Branco, gente do mato não parecia
cor de terra osmose com a pele pega
e mistura tudo, gentes e bichos
pardos nas multicores das matas.
Sem nada dizer
construía castelos de fogo
e nos dava alegrias muitas
dessas incabidas no peito
derramando-se sobre o chão alumiado.

Tal moço, um dia, virou nuvem
e num vento fresco de uma tarde
nem notícia deixou,
só lembranças
e uma fogueira que nunca se apagou
no interior de minha existência.


sexta-feira, março 27, 2009

PALAVRAS CAPTURADAS II



Meu desconforto com mundo
se materializa
em formas
fotos
cinema
letras grafadas
em suporte de papel.
Suporte, travador de afetos
deslocador das imagens
paradoxos da linguagem.

Os livros de anatomia
nada dizem sobre movimentos
não mostram deslocamentos
só as curvas dos músculos em repouso.
Mas corpo de bailarina
(de bailarino)
não repousa nem na pausa.
O suporte sim, se estabelece
o suporte permanece
desencadeia a memória.
Memória não é real
depende, sim, de papel,
de cheiro
do objeto esquecido
da imagem disparada.

Imagem paisagem
observação captura
curiosidade.
O artista sempre tenta 
colocar o ovo no eixo vertical.
Navegador quebra o ovo
não para fazer omeletes
mas para exibir sua arrogância.
Viva minha ignorância
sobre ovos e navegações.


PALAVRAS CAPTURADAS I



Lançamento:
a forma vem antes da força
a força alcança a forma
esta se espalha pelo chão de espelhos
imagens de convidados para a festa.
Imagens disparadas
imagens esquecidas.
Dança serpentina
parangolés de Oiticica.
Intensidade
velocidade
captura
coerência
tudo presente nos jardins
e na troca de aflições dos convivas
tantas aflições presentes
nas imagens e nos objetos reais
presentes
de carona na janela.

Paixões da história 
ou paixões pelas histórias repetidas
(a história sempre se repete
as estórias sempre se recontam)
que movimenta os adoradores de imagens?
Santa fotografia
Santo cinema
Santa dança.

Dança é conhecimento
dança é presença particular
na captura das imagens
movimento
dança generosa
na captura de linguagens.
Os filhotes da dança
gazeificam o cenário
contaminações ativas disparam imagens
desaparecem seres humanos
até não humanos presentes
nos entreatos:
capturar o tempo
capturar a memória
guardar as palavras no armário.

Algumas coisas só tem sentido
para nossas paixões 
para nossos desejos.
Em meu caderno não desenho bailarinas:
escrevo fórmulas matemáticas
deseho projetos de peças mecânicas.
Papel, letras escritas, negociações.
Alguns objetos são mais efêmeros que outros.
Utensílios
ferramentas
aparelhos de barbear
relógios de sol
permanecem.
Outros são corroídos facilmente
ferrugens
bactérias
roedores
se instalam
e a matéria se efemera 
lentamente
lentamente
lentamente
desaparece: 
coerência do mundo. 
A coerência basta?
Todos se satisfazem com esta coerência mundana?
Ou precisamos dilui-la?