quinta-feira, maio 20, 2010

EM TEMPOS DE COPA




Mais velho queria ser
Para dizer aos netos que ainda virão:
Meninos eu vi.
Eu vi Nilton Santos,
O Enciclopédia do Futebol,
Jogar na esquerda lateral dos gramados da vida.
Infelizmente, isso aconteceu apenas nos memoriais
Televisivos e nos imaginários dos peladeiros oficiais
Como eu: quarenta anos de pelada,
Canelando naquela canhota faixa dos campos.

Claro, eu ouvi o Nilton Santos jogar
No grande rádio a válvula,
Construído por meu pai
Em curso de eletrônica por correspondência,
E postado no canto nobre da sala de visita
Da casa de minha infância
Na entrada da Mata do Jambreiro.
Tentava fazer no campo de várzea
A quinhentos metros de casa
Nas peladas depois das quatro da tarde
As geniais jogadas do mestre.
Triste ilusão: meus chutes de trivela
Só aconteceram em meu coração
E ainda carrego como sina de torcedor
A estrela solitária do Botafogo:
Tornei-me, precocemente, sofredor.

domingo, maio 09, 2010

Eu, o irresponsável






Certo dia, beirando cinqüenta,
Encontrou-me  antigo colega
Adentrando-me na paisagem urbana
Meio à preguiça de plantar-me no parque
Desencorajado de cheirar imobilidades
E ler a língua de sinais dos pássaros mudos.
Você não envelhece, meu caro,
 – disse-me –
também pudera: sempre foi irresponsável!
Claro – respondi –
Assumi a irresponsabilidade de meus atos
Antes mesmo de responder absurdos
E demolir conjecturas.


CURTA NÚMERO 08





Palavras são sujas:


quando se poemam


clarificam-se


Pedras, dores e poeiras do caminho


iluminam-se


ao arredondamento das frases.


É a força da Poética.



VALE A PENA VIVER Nº 08





O mundo cresce com as metáforas dos poetas
É o barro do chão quem afirma:
Pedra maldita no meio do caminho
Não machuca, transforma-se em palavra
O gorjeio dos pássaros inunda arvoredos
A luz da manhã desbota paredes
Vênus amanhece vez ou outra ao anoitecer
Os seios das mulheres enaltecem-se ao caminhar
O coaxar dos sapos desafia toureiros
As inexplicações dos sábios são incompreensíveis
Aos passos das seriemas.
Para todas as desmedidas da natureza
Quero olhos de lê-las,
Transformar-me, eu mesmo, em metáfora
Ser mumificado em Poesia:
Secularizar-me-ei por isso.


sexta-feira, maio 07, 2010

RELEITURAS ROSEANAS 11




Sujeito irregular na paisagem
Não se enxergava desumanamente postado na praça
Vestido em trajes festivos
Rodeado pela patuléia trapejante
Ofuscando suas mortais feiúras.

Postulava emergências
Maniqueava palavras fugidias
Tentando fazer-se entender.
Massa ignara não compreendia
Pensamentos ambulantes
Somente costumeiramente invocados à repetição.

Desistiu: caminhou.
A turba incrédula
Viu-o desaparecer-se nos portais imaginários
Do fim da rua, no fim da cidade:
O estranho cidadão e seu vocabulário
Descabido no ambiente.


quarta-feira, maio 05, 2010

RELEITURAS ROSEANAS Nº 10



"Amor é vaga, indecisa palavra"
nunca sai da boca solenemente:
ou a ruminamos 
nos cantos dos lábios
vergonhosa e sofregamente,
ou a grunhimos 
com a língua batendo nos dentes
sonora e largamente.
Nenhuma das duas parece natural:
(nunca é natural)
como se fácil fosse
solfejar decididamente
a palavra sempre esperada
nos ouvidos languidamente.

"Amor é vaga, indecisa palavra"
 nas errâncias humanas
nas inquietudes de suas trajetórias
nas impropriedades de seus dizeres.