sexta-feira, junho 27, 2025

TEMPOS DE (BEM) SOBREVIVER

Caminhava pela casa carregando meus escuros

No distanciamento imposto desumano

Falando com sobejo de esforços.

E contando meus causos inventados,

Minhas artes que eu amo tanto:

Tudo são histórias de hoje e sempre.

Porque comigo não tem ontem e amanhã.

A gente sobrevive é assim mesmo:

No desiludido e no misturado.

E foi sonhando com aquela beira de rio

Bem no caminho do meio da correnteza

Que esbarrei naqueles olhos.

E a doçura daquele olhar

Me fez ver as cores do mundo.

Minha sombra, que me acompanhava,

Queria aquela novidade quieta

Para espantar meus tormentos

Para esconder meus desassossegos.

A luz dos olhos que ilumina veredas

Desamarrou desavenças encolhidas

Estancou e costurou feridas encalhadas.

A transformação desferida no encontro

É chama que assopra a vaidade

É amor que brota e cresce, de verdade.


sexta-feira, abril 04, 2025

VIA ANÔMALA

Tenho uma via anômala

no coração

Que só se fecharia

Com uma ablação

Preciso me queimar por dentro

Com fogo na ponta do cateter.

Só assim meu coração não dispara

Causando-me aflição.

 

Só me queimando por dentro

O coração não dispara

Que a coisa não fica feia

Adenosina que a ele diz: para

Para depois voltar ao normal.

terça-feira, abril 01, 2025

DECLARAÇÃO

 

Eu, abaixo assinado, físico com pretensões de poeta

(muita presunção de minha parte?)

com muitas contradições, mas algumas consistências essenciais,

declaro:

o que considero importante na vida

pode mudar de hoje para amanhã

ou mês que vem ou para o ano seguinte

(a escala de valores não se fixa no tempo).

 

E o importante hoje é simples:

um disco de jazz, ou o som de uma viola mineira,

ou a música de Liszt.

um passeio de bicicleta, uma boa e bela leitura,

um copo, à noite, de um Bordeaux,

um filme que não seja apenas de aventuras,

um livro de poesias,

e o amor da mulher escolhida.

Mas é exatamente o último valor

que torna os anteriores importantes nestes últimos tempos.

Isoladamente, não teriam a menor graça.



APENAS ISSO

Sorvete de abacaxi em dias de verão;

conhaque quente com canela em noites de inverno;

flores silvestres pintadas de luz em tardes de primavera;

pequenas folhas caídas ao vento em manhãs de outono.

Apenas isso quero ser.

Uma foto nua emoldurada na parede do quarto;

um cartão enviado pelo correio e preso no espelho;

um cheiro de corpos suados perdido nos lençóis

uma música solfejada nos lábios sem tocar no rádio.

Coisas fluidas como o amor preenchendo o vazio entre os cabelos.

Apenas isso.


terça-feira, março 04, 2025

VIOLETA

 

A Violeta nasceu

Desabrochou

Cresceu

Cantou,

Morreu.

Nunca murchou.

Sua voz se fez ouvir além das fronteiras do Chile.

Atravessou as paredes de minha casa

Morna

Suave

Sensual.

E acalenta minha filha Rafaela

Que se acalma e dorme.


(Homenagem a Violeta Parra, cantora chilena.

Matou-se no início do governo Pinochet).

CINEMA

A sombra organiza a imagem do nada

Concreto (ou imaginário) nada.

O nada (sombra) escreve a imagem na película

como sombras de um corpo sobrepõem outro corpo

vincam e musicalizam limites.

Música luz paixão

fúria ou suavidade.

Objetos em cena, enquadramentos

fragmentos de personalidades

seqüenciados em fotogramas

falso movimento

a vinte e quatro por segundo

perversão da realidade

indignação transgressão brincadeira.

Linguagem.

Arte da continuidade atropelada

Quantizada, congelada.

Marcas da individualidade do artista

e do observador

se entrelaçam na tela

em sala escura.

Luz câmara ação!

E solidificam-se sombras.

Nada!