quarta-feira, janeiro 20, 2010

CULINÁRIA DO SOFRIMENTO





Sofrimento?
Cozinhe-o em fogo lento
tempere-o
para explicitar a dor
e espere
até que seque a água.
O segredo é não ter pressa.


Pegue então a massa sólida
pastosa ou cristalina
(depende da intensidade do sofrimento)
no fundo da vasilha
jogue-o no rio.


E esqueça.

CORA CORALINA





Cora Coralina


cora coralinda


cora linda


linda


linda, cora


cora


vigora


revigora


cora, lina


cora, linda


benvinda


agora.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Mãe, mulher outra

Mãe não é mulher.

Mãe é uma imagem de mulher

que se destrói

ao nos tornarmos homem.

Aí, mãe se refaz mulher.

Distante.

Mais próxima que antes.

sábado, dezembro 05, 2009

Fácil difícil




Falar é fácil


Escrever é difícil


Silenciar é muito difícil


....................


Escreve-se em silêncio!

terça-feira, dezembro 01, 2009

Anticurrículo das ignorâncias (para meu amigo Dácio)





Comprei três livros:


somaram-se aos cinco comprados há quinze dias.


E outros e outros e outros não-lidos.


Livros não-lidos em minha biblioteca ameaçam.


Envelheço e eles aumentam em número e importância.


Aposentadoria se aproxima


preparo meu anticurrículo -


exposições de minha ignorância acumulada.







sexta-feira, outubro 23, 2009

Interragocões e anzóis



Quando a interrogação nos assombra,
melhor virá-la de ponta-cabeça
prendê-la em linha e vara
catar minhocas 
e ir pescar.
Soluções,
costumam vir com os peixes.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Memória e esquecimento: Os olhares



Recuso-me a esquecer. Depois dos 50 anos, memória e esquecimento travam uma luta ferrenha. Cada um querendo a primazia da ocupação dos espaços. Já que o esquecimento ganha quase sempre, quero pelo menos discernir sobre o que esquecer e o que lembrar. Então, prefiro esquecer datas de aniversários, hora de fazer pequenas e desimportantes coisas, local onde o carro está estacionado, onde ficou a chave, os óculos, a mochila, o tênis para a caminhada, o chapéu, quem mandou bater o portão sem se certificar que a chave da casa está no bolso? Como entramos em casa agora? A procura pode ser divertida se guardamos o bom humor, e depois é só chamar o chaveiro, mesmo as duas da manhã a gente encontra um aberto. Depois dos 50, que razões para perder o humor? 
Tanta coisa para esquecer, menos do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. Que olhar. São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Olhares da mulher amada. Não dá para esquecer.